Por Raul Candeloro – direto de Kyoto, Japão
7h15 da manhã, café da manhã no hotel.
O funcionário do hotel se curva 15 graus ao cruzar comigo no corredor, mesmo carregando baldes e vassouras. Não há câmeras. Não há supervisores. Só ele, eu, e um gesto de respeito que, em muitas empresas brasileiras, seria considerado “exagerado”.
Mas aqui, isso não é performance. É cultura.
Atender bem não é diferencial. É ponto de partida.
No Brasil, ainda tratamos o atendimento como uma função subordinada à venda. Algo que “vale a pena” quando há potencial de conversão.
Aqui no Japão, é o contrário: o atendimento é uma demonstração de caráter, e ele acontece mesmo que não haja nenhuma chance de negócio.
O que podemos aprender com isso? Bastante.
7 conceitos japoneses de atendimento que merecem ser adaptados
1. Omotenashi (おもてなし) – Servir com respeito, sem esperar nada em troca
Omotenashi não é uma técnica. É uma disposição ética.
Significa atender com generosidade, mesmo quando ninguém está olhando. Mesmo quando não há retorno. Mesmo quando não há compra.
“Omotenashi não é o que se fala. É o que se faz sem ser visto.”
Aplicação prática:
- Atenda com atenção total, mesmo quem só está pesquisando.
- Ofereça ajuda de verdade, não scripts.
- Crie uma cultura onde servir bem é o mínimo, não o extra.
2. Kodawari (こだわり) – Obsessão por qualidade, mesmo nos detalhes invisíveis
Em um restaurante de Kyoto, reparei num detalhe: o lado do peixe que tocava o arroz era polido com vinagre morno. O cliente não vê. Mas o chef sabe.
Kodawari é isso. Excelência sem testemunha.
Aplicação prática:
- Cuide da estética dos seus materiais, inclusive os internos.
- Faça follow-ups com clareza e sem erros.
- Elimine o “tá bom assim” como padrão mental.
3. Mieru-ka (見える化) – Visibilidade gera confiança
No Japão, você não precisa ficar perguntando sobre o andamento das coisas. As informações aparecem antes da dúvida.
Cartazes, telas, etiquetas, e-mails: Tudo comunica onde estamos e para onde vamos.
Aplicação prática:
- Mostre para o cliente o status da entrega ou da negociação — antes que ele pergunte.
- Use e-mails com linha do tempo ou painéis internos que atualizam o andamento.
- Transforme previsibilidade em rotina.
4. Aisatsu (挨拶) – Começar com presença e intenção
A recepcionista do hotel entrega o cartão-chave com as duas mãos e uma leve inclinação. Três segundos. Mas o efeito é permanente: você se sente visto.
Aplicação prática:
- Comece cada interação com presença, não automatismo.
- No digital, evite iniciar sem contexto ou ir direto ao ponto sem acolhimento.
- Ensine sua equipe a construir conexão nos primeiros segundos.
5. Shikata (仕方) – Fazer do jeito certo, mesmo as pequenas coisas
No Japão, existe um jeito certo para tudo — até para varrer o chão. Não por formalidade, mas por respeito. Não se trata de perfeccionismo. É postura profissional.
Aplicação prática:
- Defina padrões mínimos para tarefas simples: Envio de propostas, ligações, apresentações.
- Transforme tarefas operacionais em micro exemplos de excelência.
- Faça a pergunta: “Se alguém assistisse isso agora, veria cuidado ou pressa?”
6. Ma (間) – Respeitar o ritmo do outro
O silêncio entre uma pergunta e a resposta. A pausa entre etapas.
No Japão, o espaço entre as ações é tão importante quanto as ações em si.
Aplicação prática:
- Pausar depois de perguntas relevantes, ao invés de atropelar.
- Dar tempo de processamento antes de apresentar uma nova proposta.
- Evitar a ansiedade de preencher todos os vazios com fala.
7. Gaman (我慢) – Compostura em situações difíceis
Um atendente leva uma crítica injusta e apenas se curva. Ele não rebate. Ele segura.
Gaman não é passividade. É maturidade emocional.
Aplicação prática:
- Treinar a equipe para absorver frustração sem reatividade.
- Substituir “defesa” por escuta.
- Manter elegância mesmo em cenários difíceis — especialmente quando o cliente não tem razão.
Atender bem não é encantar. É respeitar com consistência todos os pontos de contato.
Objeção antecipada
“Mas isso é formal demais para o Brasil.”
Não é sobre copiar o gesto. É sobre compreender o espírito por trás.
Cada conceito japonês traduz um princípio que é universal: Atenção, respeito, cuidado, ritmo, compostura.
O que muda é a forma. O que não pode mudar é a intenção.
Dados sobre atendimento de qualidade
- Empresas que priorizam experiência de atendimento têm 5,7 vezes mais chances de fidelizar (Temkin Group).
- 86% dos consumidores brasileiros pagariam mais por um bom atendimento (PwC).
- 1 a cada 3 clientes abandona uma empresa após uma única experiência ruim (Accenture).
Aplicações rápidas para líderes comerciais
- Escolha um dos sete conceitos e transforme em rotina na equipe.
- Refaça os scripts de atendimento com foco em presença e escuta.
- Use painéis ou notificações para aplicar o princípio de mieru-ka.
- Crie um ritual de abertura e encerramento para cada ponto de contato.
- Treine a equipe para silenciar mais e ouvir melhor.
O que fica
O que mais impressiona no atendimento japonês não são os gestos.
É a consistência.
É o cuidado mesmo sem plateia.
É a convicção de que servir bem é um espelho da sua identidade, não do humor do cliente.
Desafio para esta semana: Escolha um conceito japonês e aplique conscientemente em uma situação real de atendimento. Observe a reação do cliente. Depois me conte o que mudou (não só nele, mas em você.)
Abraços do Japão e até a semana que vem,
Raul Candeloro
Diretor
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