O que o atendimento japonês pode ensinar ao Brasil

por | 17/06/2025 | Artigos

Por Raul Candeloro – direto de Kyoto, Japão

7h15 da manhã, café da manhã no hotel.

O funcionário do hotel se curva 15 graus ao cruzar comigo no corredor, mesmo carregando baldes e vassouras. Não há câmeras. Não há supervisores. Só ele, eu, e um gesto de respeito que, em muitas empresas brasileiras, seria considerado “exagerado”.

Mas aqui, isso não é performance. É cultura.

Atender bem não é diferencial. É ponto de partida.

No Brasil, ainda tratamos o atendimento como uma função subordinada à venda. Algo que “vale a pena” quando há potencial de conversão.

Aqui no Japão, é o contrário: o atendimento é uma demonstração de caráter, e ele acontece mesmo que não haja nenhuma chance de negócio.

O que podemos aprender com isso? Bastante.

7 conceitos japoneses de atendimento que merecem ser adaptados

1. Omotenashi (おもてなし) – Servir com respeito, sem esperar nada em troca

Omotenashi não é uma técnica. É uma disposição ética.

Significa atender com generosidade, mesmo quando ninguém está olhando. Mesmo quando não há retorno. Mesmo quando não há compra.

“Omotenashi não é o que se fala. É o que se faz sem ser visto.”

Aplicação prática:

  • Atenda com atenção total, mesmo quem só está pesquisando.
  • Ofereça ajuda de verdade, não scripts.
  • Crie uma cultura onde servir bem é o mínimo, não o extra.

2. Kodawari (こだわり) – Obsessão por qualidade, mesmo nos detalhes invisíveis

Em um restaurante de Kyoto, reparei num detalhe: o lado do peixe que tocava o arroz era polido com vinagre morno. O cliente não vê. Mas o chef sabe.

Kodawari é isso. Excelência sem testemunha.

Aplicação prática:

  • Cuide da estética dos seus materiais, inclusive os internos.
  • Faça follow-ups com clareza e sem erros.
  • Elimine o “tá bom assim” como padrão mental.

3. Mieru-ka (見える化) – Visibilidade gera confiança

No Japão, você não precisa ficar perguntando sobre o andamento das coisas. As informações aparecem antes da dúvida.

Cartazes, telas, etiquetas, e-mails: Tudo comunica onde estamos e para onde vamos.

Aplicação prática:

  • Mostre para o cliente o status da entrega ou da negociação — antes que ele pergunte.
  • Use e-mails com linha do tempo ou painéis internos que atualizam o andamento.
  • Transforme previsibilidade em rotina.

4. Aisatsu (挨拶) – Começar com presença e intenção

A recepcionista do hotel entrega o cartão-chave com as duas mãos e uma leve inclinação. Três segundos. Mas o efeito é permanente: você se sente visto.

Aplicação prática:

  • Comece cada interação com presença, não automatismo.
  • No digital, evite iniciar sem contexto ou ir direto ao ponto sem acolhimento.
  • Ensine sua equipe a construir conexão nos primeiros segundos.

5. Shikata (仕方) – Fazer do jeito certo, mesmo as pequenas coisas

No Japão, existe um jeito certo para tudo — até para varrer o chão. Não por formalidade, mas por respeito. Não se trata de perfeccionismo. É postura profissional.

Aplicação prática:

  • Defina padrões mínimos para tarefas simples: Envio de propostas, ligações, apresentações.
  • Transforme tarefas operacionais em micro exemplos de excelência.
  • Faça a pergunta: “Se alguém assistisse isso agora, veria cuidado ou pressa?”

6. Ma (間) – Respeitar o ritmo do outro

O silêncio entre uma pergunta e a resposta. A pausa entre etapas.

No Japão, o espaço entre as ações é tão importante quanto as ações em si.

Aplicação prática:

  • Pausar depois de perguntas relevantes, ao invés de atropelar.
  • Dar tempo de processamento antes de apresentar uma nova proposta.
  • Evitar a ansiedade de preencher todos os vazios com fala.

7. Gaman (我慢) – Compostura em situações difíceis

Um atendente leva uma crítica injusta e apenas se curva. Ele não rebate. Ele segura.
Gaman não é passividade. É maturidade emocional.

Aplicação prática:

  • Treinar a equipe para absorver frustração sem reatividade.
  • Substituir “defesa” por escuta.
  • Manter elegância mesmo em cenários difíceis — especialmente quando o cliente não tem razão.

Atender bem não é encantar. É respeitar com consistência todos os pontos de contato.

Objeção antecipada

“Mas isso é formal demais para o Brasil.”

Não é sobre copiar o gesto. É sobre compreender o espírito por trás.

Cada conceito japonês traduz um princípio que é universal: Atenção, respeito, cuidado, ritmo, compostura.

O que muda é a forma. O que não pode mudar é a intenção.

Dados sobre atendimento de qualidade

  • Empresas que priorizam experiência de atendimento têm 5,7 vezes mais chances de fidelizar (Temkin Group).
  • 86% dos consumidores brasileiros pagariam mais por um bom atendimento (PwC).
  • 1 a cada 3 clientes abandona uma empresa após uma única experiência ruim (Accenture).

Aplicações rápidas para líderes comerciais

  • Escolha um dos sete conceitos e transforme em rotina na equipe.
  • Refaça os scripts de atendimento com foco em presença e escuta.
  • Use painéis ou notificações para aplicar o princípio de mieru-ka.
  • Crie um ritual de abertura e encerramento para cada ponto de contato.
  • Treine a equipe para silenciar mais e ouvir melhor.

O que fica

O que mais impressiona no atendimento japonês não são os gestos.

É a consistência.

É o cuidado mesmo sem plateia.

É a convicção de que servir bem é um espelho da sua identidade, não do humor do cliente.

Desafio para esta semana: Escolha um conceito japonês e aplique conscientemente em uma situação real de atendimento. Observe a reação do cliente. Depois me conte o que mudou (não só nele, mas em você.)

Abraços do Japão e até a semana que vem,

Raul Candeloro
Diretor
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